Como uma pergunta infantil sobre física e movimento se transformou em um experimento rigoroso com patente, testes e resolução de problemas reais na sala de aula. Na maioria das feiras de ciências escolares, é comum encontrar vulcões de bicarbonato, maquetes do sistema solar ou experiências com ímanes. Mas numa escola em Oakland, Califórnia, um projeto chamou a atenção de todos: um aluno do segundo ano do ensino básico apresentou uma versão funcional dos sapatos antigravidade que Michael Jackson usava nas suas coreografias. E não foi apenas pelo espetáculo: por trás disso havia um trabalho de investigação, testes e aplicação do método científico digno de destaque.
A história foi publicada em 16 de maio de 2025 pelo meio de comunicação The Oaklandside e tem como protagonista Jonah Cassady-Opper, de 8 anos. Em vez de optar por uma experiência mais convencional, Jonah decidiu abordar uma das perguntas que mais o intrigavam desde que se tornou fã de Michael Jackson: como é possível alguém inclinar-se 45 graus para a frente sem cair? O que começou como uma curiosidade infantil transformou-se num projeto científico rigoroso que combina história da música, biomecânica e criatividade.
O mistério do «lean» de Michael Jackson
Em 1992, Michael Jackson patenteou um sistema que lhe permitia executar um dos movimentos mais memoráveis da história da música pop: uma inclinação impossível, aparentemente antigravitatória, que desafiava o equilíbrio humano. Este efeito cénico é conhecido como «lean», um termo em inglês que significa literalmente «inclinação» e que, neste caso, se refere ao gesto com que Jackson se inclinava para a frente num ângulo de 45 graus sem dobrar os joelhos nem cair. Visualmente impactante e biomecanicamente improvável, o lean tornou-se um dos momentos mais icónicos do videoclipe «Smooth Criminal».
Essa ilusão cénica foi vista por milhões de pessoas, mas poucos sabiam como funcionava na realidade. Jonah, ao ver esse movimento repetidamente em vídeos de concertos e videoclipes, quis descobrir o truque de uma perspectiva científica.
O primeiro passo foi formular uma hipótese. Como explica o artigo, «a sua primeira hipótese foi [que se tratava de] ímanes, mas isso foi descartado quando descobriu a patente de Jackson na Internet». Essa mudança na direção do projeto não o desanimou. Pelo contrário, permitiu-lhe aprofundar a lógica do mecanismo real que tornava possível o truque: um sistema físico que combinava sapatos modificados com uma plataforma fixada ao chão.
A partir daí, Jonah dedicou-se a replicar o sistema com a ajuda da sua mãe. Foi uma tarefa meticulosa. Os sapatos tinham de ter um «hitch member», uma ranhura especial no salto que encaixasse num parafuso colocado no chão. Este parafuso funcionava como uma âncora, permitindo que o corpo se inclinasse sem perder a estabilidade. Segundo o artigo, «é o que se chama um “hitch member” [peça de engate]. É criado esculpindo uma ranhura no salto que desliza no seu lugar em torno de um parafuso fixado a uma tábua de madeira».
Experimentação: mais do que um modelo
Um dos pontos fortes do projeto foi o seu foco na experimentação. Jonah não se contentou em construir um único protótipo. Ele realizou três testes com diferentes tipos de calçado, medindo cuidadosamente os ângulos de inclinação que conseguia atingir em cada um. O objetivo era chegar aos 45 graus do movimento original de Jackson.
Primeiro, ele experimentou com os seus ténis, uns Air Jordans. O resultado foi modesto: apenas 13 graus. Depois, tentou com uns botins estilo Chelsea, mas o elástico dos tornozelos cedia facilmente e o menino acabava caindo no chão. «Os pés continuavam a sair dos botins porque o elástico esticava e ele simplesmente caía de cara, embora de forma segura», detalha a mãe na entrevista.
Finalmente, Jonah conseguiu o melhor resultado com uns sapatos de verniz com atacadores. Este tipo de calçado oferecia a fixação necessária para manter o pé firme enquanto o corpo se inclinava para a frente. Para medir o ângulo de cada teste, a mãe utilizou uma aplicação para telemóvel que permite calcular graus a partir de fotografias. Esta atenção aos detalhes demonstra uma compreensão do método científico que vai além do habitual numa criança da sua idade.
Ciência e cultura pop: uma combinação poderosa
Este projeto é especialmente interessante porque combina dois mundos que muitas vezes se apresentam como opostos: a ciência e a cultura pop. Jonah não parte de uma curiosidade abstrata, mas de uma paixão concreta por um ícone musical. A sua entrada na ciência foi através de uma pergunta motivada pelo espanto que lhe causou um vídeo de Thriller e as coreografias de Jackson.
Segundo relata a sua mãe no artigo, «Thriller foi a porta de entrada para Michael Jackson». Esta ligação emocional foi o motor de uma aprendizagem muito mais profunda. O que poderia ter sido simplesmente uma fantasia de Halloween ou uma imitação artística tornou-se um exercício de análise, construção e pensamento crítico. O exemplo de Jonah demonstra como o interesse pessoal pode ser o melhor ponto de partida para aprender ciência a sério.
Além disso, o projeto está alinhado com os objetivos de muitas iniciativas de educação STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) que buscam integrar criatividade, brincadeira e investigação no ensino escolar. Não se trata apenas de memorizar dados, mas de aplicar conhecimentos para resolver problemas reais ou, como neste caso, reproduzir uma ilusão técnica do mundo do espetáculo.
Obstáculos fora do laboratório
Nem tudo foi fácil no caminho de Jonah. Pouco antes de apresentar seu projeto na feira STEM do distrito escolar, ele sofreu um revés inesperado. A família foi vítima de um roubo: o carro foi levado da garagem e, com ele, os sapatos modificados que ele havia preparado com tanto esforço. Esse incidente poderia ter comprometido sua participação no evento.
“Levei alguns dias para contar a ele”, explicou sua mãe. Mas, longe de desistir, os dois puseram mãos à obra para reconstruir o projeto contra o relógio. «Consegui outro par, consegui as placas novamente e depois apressámo-nos a consertá-las. Estavam prontas na segunda-feira e a feira de ciências era na quarta-feira». Este tipo de situação também faz parte da aprendizagem. Resolver problemas, adaptar-se a imprevistos e não perder a motivação são competências essenciais para qualquer cientista.
O facto de Jonah não ter desanimado após o roubo, mas sim reconstruído o seu projeto e conseguido apresentá-lo a tempo, é tão valioso quanto o próprio conteúdo da experiência. Isso demonstra perseverança, responsabilidade e apoio familiar, fatores que muitas vezes são tão importantes quanto o conhecimento técnico em si.
Além de um truque cénico
À primeira vista, os sapatos antigravidade de Michael Jackson são apenas um truque visual. Mas, ao analisá-los em detalhe, revelam princípios da física aplicados com precisão. Concretamente, o sistema baseia-se em modificar o ponto de apoio do corpo e distribuir o peso de forma a que a inclinação seja possível sem perder o equilíbrio.
Este tipo de mecanismo tem aplicações que vão além do entretenimento. Compreender como se pode modificar o centro de gravidade de um corpo permite explorar conceitos-chave em biomecânica, robótica ou design ergonómico. A simples pergunta de uma criança pode levar a explicações profundas sobre o funcionamento do corpo humano e a física do movimento.
Além disso, a história de Jonah evidencia o valor de ensinar ciência como uma ferramenta para compreender o mundo cotidiano, não apenas como um conjunto de conceitos abstratos. A partir de um videoclipe, é possível construir aprendizagens significativas, desde que haja espaço para a curiosidade e o acompanhamento adequado.
Jonah continuará a investigar
Após o sucesso da sua experiência, Jonah já está a pensar no seu próximo projeto. Segundo declara no artigo, o seu próximo desafio é descobrir o segredo do moonwalk, outro dos movimentos icónicos de Michael Jackson. «São rodas? É manteiga escorregadia? É um hitch member?», questiona-se.
Para além do conteúdo técnico, esta atitude reflete o espírito da ciência na sua forma mais pura: a formulação constante de perguntas, a experimentação e a busca de explicações. Esse impulso para continuar a explorar é o que faz com que uma criança curiosa se torne, talvez um dia, um investigador, um engenheiro ou um divulgador.