Raquel Liceras, Doutora em Pré-história: «Se olharmos para a história através dos cuidados e dos laços, não há rupturas. Como sociedade, não mudámos assim tanto».

Quando falamos de Prehistória, muitas vezes imaginamos os nossos antepassados a subsistir num mundo selvagem, lutando para sobreviver todos os dias num ambiente muito hostil e, na melhor das hipóteses, preocupando-se de vez em quando com a sobrevivência do grupo. No entanto, a doutora em Pré-história Raquel Liceras Garrido defende em Desenterrando el Pasado, o podcast da National Geographic e da Fundação Palarq, que existe uma linha ininterrupta entre aqueles primeiros seres humanos e nós, marcada pela capacidade de estabelecer cuidados e laços. Nas suas próprias palavras: «Se olharmos para a história através dos cuidados e dos laços, não há rupturas. Como sociedade, não mudámos assim tanto».

Os cuidados dos nossos antepassados

Embora seja verdade que a nossa sociedade atual não tem nada a ver com as dinâmicas das comunidades pré-históricas, a realidade era que, longe de serem individualistas e preocupados com a sobrevivência pessoal, eles cuidavam dos doentes, protegiam as pessoas com deficiência e fortaleciam a coesão social: é precisamente a base sobre a qual se ergueu a nossa sobrevivência coletiva ao longo do tempo.

Sem ir mais longe, como recorda Liceras, os arqueólogos identificaram em sítios arqueológicos na Europa e na Península Ibérica uma série de esqueletos com fraturas e lesões graves que, surpreendentemente, chegaram a sarar. Isto significa que esses indivíduos que foram feridos não foram simplesmente abandonados à sua sorte, mas que a comunidade se encarregou de cuidar deles; grupos inteiros partilhavam comida, cuidavam, abrigavam e protegiam aqueles que estavam incapacitados, seja temporariamente devido a um acidente ou briga, seja permanentemente. «Encontrar ossos com sinais de consolidação em lesões traumáticas é uma prova inequívoca de que a dor e a vulnerabilidade encontravam resposta no seu próprio ambiente», esclarece a especialista.

Mas não se trata apenas de indivíduos que apresentavam fraturas e que precisavam de cuidados. Os cuidados na Pré-história iam além: alguns esqueletos apresentam malformações congénitas ou doenças crónicas, como casos avançados de artrite. Apesar desta situação, vários – ou muitos – viveram vários anos após o início da sua doença, o que sugere que não se tratava de um simples gesto de caridade, mas que «os cuidados a longo prazo das pessoas com deficiência demonstram que o conceito de família e comunidade já incluía a proteção dos mais vulneráveis».

Também se partilhava a comida

Foram encontradas provas em várias escavações de fauna processada junto a esqueletos com sinais claros de convalescença: ossos de pequenos animais esquartejados em forma de papa ou caça mais acessível, preparados especificamente para aqueles que não estavam em condições de caçar ou recolher por si próprios. Esta é mais uma prova de que proteger e ajudar aqueles que não podiam cuidar de si mesmos era algo comum, do dia a dia, tal como fazemos hoje em dia.

Ritos funerários inclusivos

Também não havia discriminação nos rituais funerários. Os enterros eram iguais para todos, com utensílios ou lembranças que acompanhavam o falecido e, em alguns casos, foram descobertas sepulturas partilhadas com pessoas que tinham sofrido de uma patologia semelhante, como tuberculose óssea, o que sugere que não só viveram juntos, mas que o fizeram durante um longo período de tempo em que presumivelmente cuidaram uns dos outros. Afinal, salienta Liceras, todos estes indícios apontam para que os laços afetivos e o cuidado mútuo não eram estranhos nas comunidades da Pré-História, mas sim algo tão essencial como é hoje em dia.

Mila/ author of the article

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