Os peluches são adoráveis. Mas quando se trata de um animal pequeno (um pássaros), cujo estômago está cheio de plástico, isso já é um pesadelo.
No entanto, isso não acontece num plano imaginário distante. Os cientistas do Adrift Lab, um grupo de investigação oceânica, ficaram horrorizados ao descobrir que, na Ilha Lord Howe, na Austrália, Património Mundial da UNESCO, havia pássaros que «estalavam». Além disso, no seu primeiro dia de trabalho de campo na ilha este ano, encontraram um filhote que tinha ingerido 778 pedaços de plástico.
Isso bateu o recorde estabelecido há 15 anos no laboratório, pela maior quantidade de plástico ingerida por um único pássaro. «Este ano decidimos que não vamos mais dizer “não pode ser pior do que isso”, porque vemos que tudo piora a cada ano», escreveram num comunicado do Adrift Lab.
«Não se pode classificar como ‘aterrador’ ou ‘sem precedentes’, porque isso não faria justiça ao que vemos. Somos cientistas e trabalhamos na linha de frente das crises ambientais/poluição/biodiversidade, e mal conseguimos descrever o que isso nos causou em termos de bem-estar mental e físico ao testemunhar isso durante duas décadas».
A equipa visita as ilhas todos os anos para monitorizar o impacto da poluição por plásticos em aves como os petréis, aves marinhas de cor escura, migratórias e de asas longas, segundo a CNN. Embora os casos e as quantidades de plástico ingerido aumentem, o trabalho de campo deste ano «deixou-nos sem palavras», disse à CNN a bióloga marinha do Adrift Lab Jennifer Lavers, que esteve na ilha. Lavers e os seus colegas acreditam que os pássaros que são pais confundem o plástico com comida e, com isso, alimentam os seus filhotes.
Fazem barulho de estalos
O total de 778 pedaços de plástico encontrados dentro do pássaro que morreu com 80 a 90 dias de vida sugere que seus pais lhe deram cerca de 10 pedaços de lixo plástico por dia. O recorde anterior era de cerca de 400 pedaços, de acordo com o laboratório.
«Este pássaro, como tantos outros nos últimos anos, tem enormes quantidades de plástico no estômago e, quando se pressiona suavemente o seu abdómen, ouve-se um barulho horrível de estalos quando os plásticos se movem dentro da ave», escreveram os investigadores. «Decidimos chamá-los de ‘pássaros crocantes’ porque é assim que soam». Alex Bond, ecologista do Adrift Lab, disse ao Washington Post que há pássaros vivos que também fazem esse som.
E agora não se trata apenas de microplásticos, que os cientistas já encontraram em todos os lugares, desde chiclete até testículos e cérebros humanos.
Bond disse que encontrou objetos grandes, como tampas de garrafas e recipientes de molho de soja, além de talheres, pinças para pendurar roupa e muitos pedaços de plástico que não foram identificados. Não é surpreendente que o plástico ingerido esteja a prejudicar os pássaros. Nas dissecações, a equipa encontrou cicatrizes nos rins e corações de algumas aves e danos cerebrais em petreles jovens, de acordo com a CNN.
“Não matam o animal imediatamente, mas causam a sua morte porque a ave vive menos tempo e sofre dores”, disse Lavers à CNN. Além disso, ela e os seus colegas encontraram uma diminuição constante na massa corporal e na envergadura (comprimento entre as pontas das asas estendidas) das aves.
Nesta primavera, o senador australiano Peter Whish-Wilson viajou para a ilha Lord Howe junto com os investigadores. «Gostaria que todos os políticos, todos os que tomam decisões nos parlamentos do mundo — porque é um problema global — pudessem viver o que eu vivi durante apenas 24 horas, que viessem aqui e vivessem isso, e então entenderiam», disse ele à ABC Austrália. «Não estamos a ganhar a guerra contra os resíduos».
Os cientistas costumam considerar as aves marinhas como indicadores da saúde do ecossistema marinho e, ao estudá-las, procuram conhecer e compreender o estado dos oceanos. São como sentinelas e estão a dar-nos um aviso muito forte.
