A Fundação Impulso y Encuentro recebe os restos das peças de roupa e transforma-os em produtos para o lar: fazem desde estojos até tapetes. Com o dinheiro arrecadado, beneficiam crianças e adultos de bairros populares de San Fernando.
A camisola da seleção argentina é muito mais do que o uniforme dos campeões do mundo. É também um símbolo do cuidado com o meio ambiente e, desde 2023, os restos desse tecido ajudam mais de 10 bairros populares da localidade de San Fernando.
O processo de reciclagem envolve a empresa TEXCOM, a cooperativa Creando Conciencia e a Fundação Impulso y Encuentro, que recebe o material têxtil.
Com os restos de tecido, a fundação pode criar cestos, tapetes ou almofadas (feitos com os retalhos maiores) e o dinheiro arrecadado é usado para comprar alimentos para as cozinhas comunitárias e lanches.
Tudo vem de uma garrafa de plástico
A cadeia de reciclagem começa com a TEXCOM, a empresa têxtil que fabrica tecidos de malha e fornece o tecido utilizado para as camisetas de diferentes clubes da Seleção Argentina de Futebol.
Os fios, obtidos a partir de garrafas plásticas usadas, são importados de Taiwan — na Argentina, não há fábricas de fios de poliéster — e aqui são transformados em tecidos. No processo de finalização, que é feito na sede da TEXCOM em Don Torcuato, os rolos são lavados, tingidos e passados a ferro.
A empresa possui a certificação RCS (Recycled Claim Standard), uma norma internacional que garante que os tecidos são feitos com material reciclado.
Além disso, o tratamento dos tecidos é respeitoso com o meio ambiente, são utilizados produtos não nocivos e a quantidade de água é regulada ao máximo. «No processo de lavagem a seco e dentro da máquina de tingir, economizam-se até 150 litros de água por quilo de tecido», explicou Esteban Scigliano, gerente industrial da empresa. O vapor gerado pelas máquinas também é aproveitado para ser convertido em água.
Enquanto isso, a água contaminada com resíduos de tingimento, que não pode ser reutilizada, é tratada para remover as impurezas. Após ser avaliada, é descartada no afluente (o rio Reconquista, neste caso) se estiver em conformidade com os padrões da província de Buenos Aires, detalhou o gerente.
“Desde 2009, percorremos um longo caminho de sustentabilidade. Fomos trabalhando no uso de energia e surgiu a questão dos usos têxteis. Foi então que surgiu a cooperativa e a nossa ideia era essa, dar uma segunda vida ao que, para nós, era um resíduo”, contou María Granara, diretora da TEXCOM.
“Sempre pensamos que a TEXCOM deve ter um vínculo com a comunidade, fazer parte dela e ajudar no que for possível”, destacou.
A cooperativa Creando Conciencia tem quase 20 anos e, desde 2013, foi habilitada pelo Ministério do Ambiente da Província de Buenos Aires (através do Organismo Provincial para o Desenvolvimento Sustentável) como «o primeiro destino sustentável que certifica» grandes empresas, explicou Ramiro Martínez, um dos seis sócios fundadores.
Atualmente, a Creando Conciencia emprega 105 pessoas de Benavídez. 90% dos funcionários “são de setores vulneráveis que não têm inclusão no circuito tradicional de trabalho”.
A ONG recolhe e classifica 35 tipos de materiais, como papel, cartão, diferentes tipos de plástico, madeira e vidro, de mais de 60 empresas privadas e bairros fechados, como Nordelta. Na fábrica, são processadas entre 600 e 650 toneladas de resíduos por mês, que, após serem classificados, «os materiais são reintroduzidos na indústria». Ou seja, a cooperativa fabrica e vende novos produtos, como móveis de plástico, cabides ou kits escolares de isopor.
Entre os resíduos que a cooperativa recolhe na TEXCOM, estão restos têxteis, como as bordas dos tecidos que são cortadas na última etapa da finalização. Este é o material que chega à Fundação Impulso y Encuentro. Das 10 toneladas que a organização recolhe por mês nesta empresa, cerca de duas toneladas são restos têxteis, e a Creando Conciencia doa cerca de 50%. «É um círculo virtuoso» que beneficia o ambiente e a comunidade, destacou Martínez.
Mais perto dos seus ídolos
A Fundação Impulso y Encuentro nasceu em 2019 como um centro comunitário que evoluiu para atender às necessidades de mais de 10 bairros populares da localidade de San Fernando.
A organização recebe doações de kits escolares feitos com isopor reciclado desde 2023 e, há um ano, recebe retalhos de tecido como uma oportunidade de obter renda.
A fundação tem programas de apoio escolar para 12 crianças de 2 a 6 anos e mais de 50 crianças do ensino básico e secundário. Também conta com casas de acolhimento e acompanhamento comunitário para pessoas com consumo problemático de substâncias, aconselhamento para vítimas de violência de género e um centro cultural (fundado por Enzo). Para tudo isso, era urgente conseguir recursos que complementassem as doações.
«Reinventámonos de acordo com a necessidade que tínhamos», explicou Enzo Klein, cofundador da organização. E quando Ramiro Martínez lhes propôs doar o material, uma voluntária aconselhou a usá-lo para fazer tecidos e vendê-los.
Nesta última etapa da cadeia de reciclagem, mais de 10 pessoas ofereceram o seu talento — e algumas se dispuseram a aprender — para transformar os restos de tecido em fronhas, estojos, tapetes e cestos. «Por ser um tecido de primeira qualidade, são produtos muito duráveis», destacou Klein.
Entre os voluntários estão Norma, artesã de profissão, e Laura, mãe e vizinha do bairro que aprendeu crochê na escola. Ambas ofereceram sua criatividade e tempo livre para o benefício da comunidade.
Norma dá aulas nas oficinas de reciclagem para adultos. Por sua vez, Laura tece, ajuda na cozinha, tudo o que pode fazer «para ajudar em alguma coisa», garantiu.
As crianças e os adolescentes também aprendem a tecer ou a fazer tapetes com teares de papelão reciclado na colónia de férias. Para eles, trabalhar com este material tem um grande significado. «Eles não conseguem acreditar que estão a usar o mesmo tecido que os seus ídolos, isso aproxima-os um pouco mais dos Campeões do Mundo. Sentem-se mais próximos através destes tecidos», enfatizou Enzo.