Desde 1960, a física quântica esperava por este momento: observar os estados ocultos em vórtices supercondutores

Durante mais de seis décadas, um fenómeno previsto na teoria quântica permaneceu como um enigma ao alcance apenas dos físicos. Tratava-se dos chamados estados de Caroli-de Gennes-Matricon, uma estrutura quântica que deveria ser encontrada no núcleo dos vórtices que aparecem em certos materiais supercondutores. No entanto, apesar dos avanços tecnológicos, a sua deteção direta era quase impossível. Agora, graças a um engenhoso sistema concebido no Instituto Niels Bohr da Universidade de Copenhaga, este antigo mistério começou a ser resolvido. Tudo isto parece estranho, por isso vamos explicar de forma simples.

A descoberta, publicada na revista Physical Review Letters, foi possível não por encontrar os estados na sua forma natural, mas por recriar uma versão sintética e controlada do ambiente onde se formam. Em vez de perseguir diretamente um vórtice quântico real, os investigadores fabricaram um sistema nanoscópico que emula as condições necessárias. Como se fosse encontrar uma porta dos fundos de uma sala fechada há anos, este atalho experimental permitiu visualizar e estudar estes estados quânticos elusivos.

O que foi previsto nos anos 60 e por que foi tão difícil de ver

Em 1964, os físicos Caroli, de Gennes e Matricon propuseram que, no núcleo de um vórtice dentro de um supercondutor tipo II, deveriam surgir certos estados quânticos ligados, confinados pela energia do sistema. Esses estados são hoje conhecidos como estados CdGM. A sua importância reside no facto de serem manifestações diretas de como as partículas quânticas se comportam em ambientes extremos de confinamento e quebra de simetria.

O problema era que esses estados estão separados entre si por escalas de energia minúsculas, muito menores do que as que os experimentos padrão podem resolver. Nas palavras do artigo científico, “as separações energéticas dos estados CdGM são menores que a lacuna supercondutora, Δ, em um fator da ordem de Δ/EF”. Esse quociente, Δ/EF, costuma ser extremamente pequeno, da ordem de um dez milésimo, o que impede a observação direta desses estados em materiais metálicos convencionais.

O que são realmente os vórtices quânticos

Quando um supercondutor tipo II é exposto a um campo magnético moderado, ele não bloqueia completamente esse campo como fazem outros materiais. Em vez disso, o campo penetra no interior do supercondutor, formando pequenos tubos invisíveis chamados vórtices quânticos. Dentro de cada um deles circula uma quantidade mínima possível de campo magnético, sempre a mesma. Não pode ser dividida nem ajustada: é como uma medida padrão que a natureza não permite fraccionar.

No centro do vórtice, o material perde momentaneamente a sua capacidade supercondutora, criando um ambiente único onde podem aparecer estados quânticos especiais. À sua volta, as propriedades do supercondutor giram de forma ordenada, gerando uma espécie de espiral microscópica que só pode se formar nessas condições. Longe de ser uma simples anomalia, o vórtice é uma estrutura estável e fundamental, um cenário ideal para observar fenómenos que normalmente estariam ocultos aos nossos instrumentos.

Vórtices artificiais: uma via alternativa para observar o inobservável

Diante da impossibilidade de acessar diretamente esses estados, os cientistas optaram por projetar um sistema que simula com precisão as condições do vórtice quântico, mas em uma estrutura diferente. Eles usaram nanocables de arsenieto de índio (InAs) completamente revestidos por uma fina camada de alumínio, formando o que é conhecido como uma nanocamada supercondutora-semicondutora de revestimento completo.

O essencial do projeto está no facto de, ao aplicar um campo magnético axial a essa estrutura cilíndrica, o fluxo magnético induzir uma torção na fase do supercondutor, criando uma espécie de vórtice artificial. Esse sistema gera “análogos dos estados CdGM na forma de singularidades de van Hove em bandas unidimensionais dispersivas”. Em outras palavras, não se observa o vórtice em si, mas um equivalente funcional, mais acessível à tecnologia experimental atual.

Esta abordagem permite, além disso, manipular à vontade os parâmetros do sistema, como a espessura do revestimento supercondutor ou o campo magnético aplicado. Assim, os investigadores podem estudar como estes estados emergem, como se comportam e como mudam com as condições externas. O sistema não é apenas um modelo, mas um laboratório de física quântica em miniatura.

Uma assinatura experimental clara: os lóbulos de Little–Parks

Um dos aspetos mais elegantes da experiência é que ela se baseia num fenómeno conhecido como efeito Little-Parks, descoberto em 1962. Este efeito descreve como a temperatura crítica de um supercondutor varia de forma oscilante quando lhe é aplicado um fluxo magnético, devido à quantização do fluxo em múltiplos do quantum de fluxo magnético (Φ₀ = h/2e).

No estudo, os investigadores observaram que o sistema apresenta uma «estrutura lobular» na lacuna de energia supercondutora, que é modulada pelo campo magnético. Nos lóbulos superiores, onde aparecem os estados CdGM sintéticos, foram observados estados subgap dispersivos que coincidem com as previsões teóricas. Além disso, dentro de cada lóbulo, esses estados apresentam uma curiosa assimetria energética, deslocando-se para campos mais altos. Esta característica foi «explicada teoricamente […] e descrita experimentalmente com grande detalhe».

Este tipo de modulação oferece um sinal experimental robusto e permite verificar que o observado não é um artefacto, mas uma manifestação real dos estados análogos aos CdGM. A boa concordância entre os resultados teóricos e os espectros de condutância medidos em laboratório fornece uma forte validação do modelo.

Aplicações futuras: não é apenas física fundamental

Embora o trabalho pertença claramente ao domínio da investigação básica, as suas implicações podem ser fundamentais para o desenvolvimento de futuras tecnologias quânticas. Um dos possíveis campos de aplicação é o dos simuladores quânticos híbridos, dispositivos que permitem modelar e estudar sistemas físicos complexos que seriam inacessíveis com métodos clássicos.

Como comenta Saulius Vaitiekėnas, um dos principais autores, em declarações recolhidas em artigos de divulgação, estes estados não foram procurados diretamente, mas surgiram durante o estudo de outras propriedades do sistema. Uma vez identificados, compreenderam que «eram mais do que uma curiosidade»: abria-se uma porta para novas formas de controlo quântico, mesmo em ambientes onde não existem vórtices reais.

Além disso, o design de materiais como estas plataformas supercondutoras-semicondutoras totalmente controladas está no centro da corrida para construir dispositivos quânticos mais estáveis e funcionais. O conhecimento detalhado dos estados que podem surgir nessas estruturas ajudará a melhorar o design de componentes para computação quântica, sensores ou circuitos topológicos.

Uma conquista colaborativa com raízes na inovação

Este avanço não é o resultado de um único grupo ou de uma descoberta isolada. Por trás dele estão anos de trabalho conjunto entre físicos experimentais e teóricos, com equipas na Dinamarca, Espanha e Estados Unidos. Conforme relatado no próprio artigo, as simulações foram realizadas com modelos desenvolvidos em trabalhos anteriores e refinados para se ajustar à geometria e aos materiais reais usados nos dispositivos.

Também foi fundamental o uso de ferramentas de nanofabricação altamente especializadas, como a deposição epitaxial de alumínio em nanocables de InAs e o controle preciso do potencial eletrostático por meio de portas de tensão. Graças a esses avanços, é possível construir dispositivos que não apenas simulam vórtices, mas também permitem medir diretamente seu comportamento com espectroscopia de túnel.

Este tipo de investigação, que combina design de materiais, engenharia quântica e modelagem teórica avançada, mostra como a física de fronteira é construída com passos pequenos, mas precisos. Cada detalhe importa, desde a espessura de uma camada de alumínio até a orientação do campo magnético.

Mila/ author of the article

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