Julio Verne levou-nos em «Viagem ao Centro da Terra» a um mundo perdido sob os nossos pés, onde os seus protagonistas descobriram um gigantesco mar interior. A realidade é menos literal, mas o escritor francês não estava errado. Há mais água a centenas de quilómetros abaixo da superfície da Terra do que nos oceanos. Mas não é possível navegar nela, porque não é líquida.
Um rumor entre os terramotos. Durante décadas, os geólogos questionaram-se por que razão a Terra tem tanta água na sua superfície. Uma das hipóteses era a existência de um «ciclo profundo da água», um sistema que retém água no interior do planeta e a liberta lentamente.
A confirmação chegou em 2014, quando investigadores liderados pelo geofísico Steve Jacobsen e pelo sismólogo Brandon Schmandt apresentaram a primeira prova conclusiva. Utilizando o USArray, uma rede de mais de 2000 sismómetros espalhados pelos Estados Unidos, ouviram o eco dos terramotos para cartografar o interior do planeta e encontraram algo a 660 km de profundidade.
Uma esponja mineral subterrânea. Ouvir os terramotos revelou que existem enormes bolsas de magma a uma profundidade em que não deveriam existir, uma vez que a maior parte da rocha derretida é gerada muito mais perto da superfície da Terra. A única explicação plausível é um fenómeno conhecido como «fusão por desidratação».
É aqui que entra em jogo um mineral chamado ringwoodita. De cor azul intensa, ele age como uma esponja que absorve e retém enormes quantidades de água: não como líquido, gelo ou vapor, mas como uma quarta forma, integrada à sua estrutura cristalina pela pressão altíssima e temperaturas superiores a 1.100 ºC.
O manto terrestre transpire muita água. Quando esta ringwoodita «encharcada em água» é empurrada para o manto inferior pelos processos tectónicos, a pressão é tão brutal que já não consegue conter a água. O mineral é espremido, libertando o H2O, que por sua vez faz com que a rocha circundante derreta parcialmente. Era esse o magma que Schmandt e Jacobsen detetaram.
De quanta água estamos a falar? Os cálculos são impressionantes. Se apenas 1% do peso da rocha nesta zona de transição fosse água, o seu volume total seria quase três vezes superior ao de todos os oceanos da superfície terrestre juntos. Um oceano escondido no coração da Terra.
A prova que faltava. As evidências sísmicas de 2014 eram sólidas, mas faltava uma prova física, uma amostra direta desse ambiente húmido. Essa prova chegou em 2022, e de forma brilhante: dentro de um diamante extraído de uma mina em Botsuana.
Os diamantes são cápsulas do tempo que se formam sob pressões e temperaturas extremas e, por vezes, capturam pequenos fragmentos dos minerais que os rodeiam na sua viagem até à superfície. Uma equipa liderada pela gemologista Tingting Gu analisou as imperfeições deste diamante e descobriu inclusões de ringwoodita em contacto com outros minerais como a ferropericlase e, crucialmente, minerais hidratados, que se formam na presença de água.
Um submundo hidratado. O diamante de Botsuana confirmou que a ringwoodita das profundezas da Terra realmente contém água, mas foi a presença de todo um conjunto de minerais hidratados que confirmou que não se trata de uma pequena bolsa de água localizada que encontrou o diamante por acaso. Há um gigantesco depósito de água lá em baixo.
A água da superfície é filtrada para o interior através da subducção das placas tectónicas, fica armazenada em minerais como a ringwoodita e, com o tempo, é libertada para voltar a subir através da atividade vulcânica. Este «ciclo profundo da água» não só influencia os vulcões e os terramotos, como revela para onde vai toda a água que a Terra está a engolir. Bastava ler Júlio Verne para imaginar isso.