Uma pioneira esquecida, que desenhou uma interface gráfica nas sombras sob pressão, mas cujo legado perdura. O seu nome não aparece nos créditos dos filmes de Steve Jobs, nem é capa de revistas de tecnologia. É uma artista que trabalhou nos bastidores da Apple dos anos 80 e cuja criatividade e paixão trouxeram o primeiro computador com interface gráfica para o utilizador. É Annette Wagner.
Esta designer não se limitou a desenhar como seria o futuro. Fê-lo quando esse futuro mal tinha forma. Enquanto Steve Jobs e John Sculley entravam em conflito pelo controlo da Apple, ela traçava as linhas gerais de elementos que hoje tomamos como garantidos. Desde os ícones e a sua posição nos ecrãs até à possibilidade de instalar programas com apenas alguns cliques.
A sua dedicação ao design trouxe-nos as interfaces de utilizador
Quatro anos se passaram desde que o Apple II foi lançado no mercado e a empresa já estava a começar a pensar no seu próximo grande computador pessoal. Steve Jobs, que havia sido retirado da equipa do Apple Lisa, iniciou o Projeto Macintosh imaginando uma interface baseada em texto, como havia acontecido com o Apple II e como ele vinha desenvolvendo no Lisa.
O Macintosh, que seria lançado em 1984, passaria para a história como «o primeiro Mac», mas, paralelamente, o Projeto Lisa ainda não tinha sido concluído. O desperdício de recursos com Jobs à frente não podia ficar sem consequências e, já com John Couch no comando, decidiu-se contratar uma designer recém-licenciada pela Universidade de San Jose. Uma tal Annette Wagner.
«A minha arte reflete a conversa entre o meu ser interior e exterior», diz Wagner na sua página web, que reconhece que quando se formou não imaginava que acabaria por desenhar a tipografia e os ícones da Apple. E assim foi, embora não tenha sido nada fácil, nem mesmo para uma mulher que acabou por se revelar uma peça histórica em algo tão mimado pela Apple como é o design.
Numa empresa dominada por homens, Wagner representava uma minoria pouco comum: uma designer artística, sem formação em programação, sentada entre homens programadores. Longe de se inibir, defendeu a sua visão centrada na acessibilidade e na clareza visual. Anos mais tarde, reconheceria que as decisões visuais eram, muitas vezes, vistas com condescendência por parte de alguns colegas.
Assim, num ambiente em que ainda não existia a disciplina de «design de experiência do utilizador» como tal, Wagner atuou como uma das suas pioneiras. Não se encarregou apenas da parte estética, mas também da funcional. Cada ícone, cada elemento visual tinha de ser claro, intuitivo e executável através de um novo periférico como era o rato. Essa visão avançada foi fundamental para que utilizadores sem conhecimentos técnicos pudessem interagir com um computador de forma natural.
Vale lembrar que, enquanto esteve nessa tarefa, teve sempre ao seu lado Susan Kare, sua colega no Projeto Macintosh e criadora de elementos já tão icónicos como o ícone do Finder.
Uma das mães do Finder e das fontes tipográficas
Foi precisamente no Finder que Wagner teve um dos seus grandes acertos, pois conseguiu criar do nada um completo gestor de ficheiros e pastas. Hoje em dia, evoluiu e foram-lhe adicionadas mais funções, mas mantém-se a essência de uma interface que Wagner quis mimar muito.
O seu olho clínico para a legibilidade digital levou até mesmo a Adobe a reconsiderar o design de algumas das suas primeiras fontes. Ela comunicou isso numa reunião com os responsáveis da empresa, conseguindo assim moldar não só o ambiente visual da Apple, mas também a linguagem tipográfica que definiria uma era da informática.
Juntamente com o engenheiro Mark Cutter, Wagner também é reconhecida como uma das impulsionadoras do MacDraw, a ferramenta de design de gráficos vetoriais que acabaria por ser lançada no Macintosh em 1984 e que também funcionava no Lisa.
O trabalho lá também não foi fácil, pois ela tinha que criar uma interface que fosse confiável em um processo tão exigente para a época como era o design vetorial e tudo de uma forma que, como no resto da interface, fosse fácil de usar pelo utilizador.
Apesar dos esforços de Wagner, o Lisa fracassou
Apesar de ser um dos primeiros computadores com uma interface gráfica de utilizador e um rato – ideia que supostamente Steve Jobs roubou da Xerox – o Apple Lisa foi apresentado ao mundo em janeiro de 1983 a um preço de 9.995 dólares. Um preço já elevado na época e que, em perspetiva, se somarmos a inflação, giraria hoje em torno dos 30.000 dólares.
A esse custo elevado, era preciso somar as reclamações contínuas dos utilizadores, que consideravam o software muito avançado para um hardware tão limitado. Para piorar, um ano depois foi lançado o Macintosh, que melhorava praticamente tudo em relação ao Lisa e tinha um preço mais acessível, o que precipitou a sua descontinuação apenas três anos após o lançamento no mercado. Nem mudar o nome funcionou.
Steve Jobs acabaria por abandonar a Apple em 1985, dois anos após o lançamento do Lisa. E embora pareça que esse projeto não estava diretamente relacionado com isso, foi um dos primeiros grandes choques que o cofundador teve com a direção da empresa e, mais concretamente, com John Sculley.
As tensões entre Jobs e os CEOs tinham realmente começado alguns anos antes, quando Mike Markkula, máximo dirigente de 1981 a 1983, o afastou do projeto Lisa. Fê-lo não só devido ao desperdício de recursos económicos, mas também pelos seus constantes conflitos com o pessoal da equipa e as suas contínuas mudanças de opinião sobre o desenvolvimento daquele computador.
John Sculley, que foi contratado pela Pepsi pelo próprio Steve Jobs com uma frase que já passou para a história, também não estava convencido com a atitude do cofundador nos diferentes projetos que liderava. Foi por isso que ele foi sendo cada vez mais afastado, até que um dia, em setembro de 1985, Sculley se posicionou: «Ou Steve, ou eu».
A assembleia de acionistas manteve-se fiel a Sculley e afastou Steve Jobs de todos os seus cargos, o que foi um claro convite para sair. Jobs fundou a NeXT e teve uma trajetória medianamente bem-sucedida fora da Apple, enquanto a sua ex-empresa não conseguia se recuperar e esteve à beira da falência. Foi precisamente Jobs quem os salvou no seu regresso em 1997, quando foi nomeado CEO pela primeira vez e trouxe produtos que já passaram para a história, como o iPod, o iPhone e o iPad.
Por sua vez, Annette Wagner permaneceu na Apple por mais seis anos após a demissão de Jobs. E numa empresa já sem aquela alma omnipresente, continuou a participar em muitos projetos da empresa e a ser uma peça fundamental em designs tão consolidados como o botão único de instalação.
Adeus à Apple e sua nova etapa «ouvindo o seu coração»
Onze anos depois de ter chegado à Apple e de ter fundado a sua própria empresa de design de interface de utilizador, a Wagner Design, Annette Wagner decidiu deixar a Apple em 1992 para ingressar na Sun Microsystems. Esta seria a sua experiência mais longa e bem-sucedida.
A Apple que Wagner deixou estava a começar a dar sinais preocupantes. Nenhum dos seus produtos conseguia estabelecer-se no mercado e começava uma crise que acabaria por provocar a saída de John Sculley um ano depois, dando lugar ao período mais negro da empresa, com Michael Spindler a tentar ampliar sem sucesso o horizonte da empresa com produtos além dos computadores e com Gil Amedio que também não conseguiria reverter a situação.
Por isso, Wagner não teve receio em continuar a sua vida profissional fora da empresa. Na Sun, continuou a trabalhar no design de interfaces de utilizador, embora agora com orientação para o lado empresarial, uma vez que eram estações de trabalho para empresas a área em que esta empresa se especializava.
Em 2010, a Oracle acabaria por comprar a Sun Microsystems, mas Wagner já tinha partido nessa altura. Dezenas de designs depois, e com 21 patentes registadas em seu nome, Annette Wagner viu em 2008 que era hora de voar para longe de Silicon Valley. Talvez não em termos de distância física, mas sim em termos de essência. «Respirei fundo e concedi a mim mesma uma licença para dar uma guinada radical».
Já longe de tudo relacionado com interfaces gráficas de utilizador, Annette Wagner reconheceu ter encontrado um lado artístico que lhe ensinou a «ouvir o seu coração», concentrando-se na pintura e na arte que era capaz de criar com os seus pincéis.
Continuou a estudar e tornou-se uma das primeiras mulheres a ser professora na Creativity International, uma escola de arte nos Estados Unidos onde ainda leciona desde 2010. Entretanto, realizou outros trabalhos como profissional independente, alguns relacionados com a pintura, mas também com interfaces gráficas e design de páginas web.